"Questão a resolver: como conciliar a crença que o mundo é, em grande parte, uma ilusão, com crença na necessidade de melhorar essa ilusão? Como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?" Aldous Huxley

segunda-feira

Apólogo.


Era uma vez uma casa de palha. Lá dentro morava um sonho. O sonho tinha um animalzinho de estimação chamado Orgulho. Orgulho era um filhote adorável, de pequeno porte e muito ingênuo. Ingênuo como o sonho e como a casa. Ingênuo como eu fui um dia.

Então, em uma tarde entristecida pela neblina, o sonho levou Orgulho para passear, e ingenuamente, Orgulho conheceu Paixão. Paixão era o animalzinho da casa ao lado, cujo dono era um desejo ardente. A casa era feita de vidro, mas em certas manhãs o orvalho a fazia lembrar cristal.

No dia seguinte, Orgulho não conseguia parar quieto, e logo o sonho percebeu... Conversaram, riram, e Orgulho contou-lhe toda a historia. O sonho, que era sempre muito ousado, resolveu tomar um chá com o desejo. Chegando lá, percebeu que a casinha cheirava a caricias, e se sentiu muito confortável.

Enquanto tomavam o chá e conversavam sobre um assunto qualquer, Orgulho e Paixão se aproximavam mais e mais, e no fim do dia já eram quase irmãos.

Chegando em casa, o sonho tratou de encher Orgulho de perguntas. Orgulho não fazia idéia de quais respostas dar, e atordoado depois de um dialogo vazio, se retirou pra dormir.

Aconchegado e olhando o luar, Orgulho repassou o dia em sua cabeça. Tentou tirar conclusões sobre o que se passara, mas quanto mais pensava, mais se confundia. Desistiu e se rendeu ao sono.

Enquanto isso, na casa ao lado...

Paixão havia discutido com o desejo, pois ambas tinham se sentido muito atraídas pelo sonho. A discussão terminou com o desejo lembrando Paixão de que ela não tinha o direito de ter um sonho... Agora paixão estava muito chateada com o acontecido, e pensava se ao menos tinha o direito de ter Orgulho.

O dia seguinte foi dominado pelo silêncio dos gritos da ansiedade, e era um silêncio escuro. Orgulho acordou e foi até a padaria, para agradar o sonho, que tinha sido muito amável no dia anterior. Paixão não dormira nada, e assim que o sol raiou de mal humor, ela saiu de casa e foi admirar o horizonte da calçada.

Orgulho avistou-a, e sem hesitar, sentou ao seu lado. Paixão o confortou com um sorriso, e logo voltou a seu transe. Sem saber exatamente o que fazer, Orgulho preferiu um assunto bobo ao silêncio.

Olhou com toda a sua coragem para a indiferença dela e perguntou por que seus olhos estavam tão vazios. Ela sorriu sarcástica e lançou a pergunta no ar. “Acha que eu tenho direito de sonhar?”

Com medo do fundamento daquela pergunta e das conseqüências que sua resposta poderia causar, Orgulho resolveu responde-la com outra pergunta. “Acha que eu tenho direito de me apaixonar?”

Paixão não pegou a indireta, e respondeu honesta e indiferente: “Acho que qualquer um tem direito de se apaixonar... Mas você em especial pode se ferir.”

Orgulho se sentiu confuso e enjoado, e decidiu tentar esclarecer aquela bagunça. “Paixão, porque não se acha digna de sonhar?”

Ela o encarou, olhou para o asfalto e olhou vaziamente de volta para ele. Considerando-o um grande amigo, contou sobre a discussão com o desejo e sobre os medos que a assombravam.

Neste momento Orgulho se retirou ferido. Paixão não entendeu muito bem, mas permaneceu vazia no mesmo lugar.

O sonho já estava preocupado com a ausência do Orgulho, mas pensou que este era o momento perfeito para se declarar para o desejo. Chegando na casinha brilhante, o sonho reconheceu Paixão. Sentou-se perto dela. Afetada pela ausência do Orgulho, Paixão se aconchegou nos braços do sonho e lhe fez juras de amor. O sonho, iludido, mergulhou em seu extase.

Por trás da parede, o desejo assistia a tudo.

Algum tempo se passou, recheado por visitas secretas entre Paixão e o sonho da casa ao lado, até que o desejo ficasse opaco e Orgulho ficasse velho. Então a casamenteira da vizinhança, chamada Desilusão, juntou-os num encontro arranjado.

Orgulho se deu muito bem com o desejo, e o sonho viveu feliz para sempre com a Paixão... Mas quantos desejos a Paixão ainda pode sabotar? E de quantos sonhos o Orgulho ainda pode desistir?

Moral da história: Atenda à todos os seus desejos e cale suas Paixões, e dê espaço para que seu Orgulho cresça, pois assim ele poderá desistir de todos os seus sonhos estúpidos, antes que estes te levem à Desilusão.