"Questão a resolver: como conciliar a crença que o mundo é, em grande parte, uma ilusão, com crença na necessidade de melhorar essa ilusão? Como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?" Aldous Huxley

segunda-feira

-

Oh, there's nothing wrong with them
that a thousand bucks can't fix
that a thousand arms can't hold down

(Prisoners - Regina Spektor)

bucks - gíria para dólar

domingo

Advertir vs divertir


Me revolta irrita e indigna o sensacionalismo dos jornais televisivos. Ainda mais por nos soarem assim tão comuns. Todos os dias um estupro, um assassínio, um novo espancamento. E é claro que todas as notícias chegam acompanhadas de relatos, lágrimas e apelos. Os jornais mais lembram novelas quando especulam tão descaradamente a desgraça das pessoas. São particularidades que não deveriam ir ao ar. E o pior é que a palhaçada acontece com a nossa aprovação - o digo porque mais de uma vez os tais casos de bairro caíram em meus testes de atualidades (questões de múltipla escolha das provas semanais sobre contemporaneidades que os alunos deveriam saber).
Isso não é assunto para jornal, não mesmo. Tudo bem que o jornal em seu papel de mídia de massa tem o dever de informar o publico sobre os fatos, e eu até aceito que ele faça o trabalho de conscientização contra a violência; são, inclusive, coisas que eu aprecio. Mas há diferenças entre comentar um problema social e entreter a sociedade com seus problemas. Porque é assim que eu vejo o sensacionalismo para com os casos de bairro: entretenimento. Há não muito tempo assisti uma reportagem em que era mostrado a cena do reconhecimento do corpo de uma criança que fora estuprada e assassinada, ao fim do que a jornalista tentava conseguir algumas palavras do pai desolado. Isso é um absurdo. Não dizermos nada a respeito é ainda mais absurdo.
Imagine a sua irmã caçula vítima de pedofilia. Agora imagine todos os jornais competindo pela melhor cobertura da sua desgraça. Então, como você se sente ao imaginar as entrevistas? É gostoso pensar na edição melancólica do seu choro convulsivo no final da matéria? Que tal a foto da sua irmãzinha embaixo de todas as manchetes? Ficou feliz por ver o rostinho dela no jornal de ontem? ESTÚPIDOS.

quinta-feira

Cotidiano

Hoje eu tirei a manhã pra sonhar. Inventar histórias, chorar e rir com elas... Me caçoei em pensamentos, e até me relevei um pouco. De horas em horas, os pensamentos começavam a ficar monótonos, e o tédio batia... Então eu tentava pregar o olho na linha que lia antes de começar a divagar, e minha mente se permitia outra viagem.

Passei por diálogos idealizados com as pessoas as quais admiro, depois por viagens que gostaria de fazer. Imaginei cada mínima conversa, cada olhar e cada cor. Pensei em faculdade, na decoração que um dia darei à minha casa; pensei nos sufocos que hei de passar com a minha filha (que, como torce minha mãe, - e eu também, confesso - há de ser uma chata de galochas), brinquei com minhas expressões no espelhinho do estojo; me chateei com o hipotético chefe cruel...

Pensei até nas pessoas que não suporto. Remoí as respostas que nunca dei, imaginei o sangue nos rostos que eu quis - ainda quero - ralar no asfalto; pensei até naquele cara que me chutou por insegurança.

Quando me cansei, olhei pro relógio: hora do banho. Entrei neste distraída, ainda acho que não lavei tudo o que devia. Então fiquei curtindo a água quente, me recusando a olhar pra baixo, tamanho o desgosto que sei que sentiria. Desenhei no espelho, deixei a bucha cheia de espuma, e me enrolei na toalha.

Aí almocei, pouco, juntei meus livros e saí correndo pra não perder o ônibus. Entrei nele, aquele calor, e me sentei no primeiro banco livre que encontrei. Analisei calmamente cada um que entrou, fazendo suposições sobre as respectivas personalidades - adoro fazê-las.

Pego esse ônibus todos os dias há quase dois anos. Já me familiarizei com algumas figuras. Uma professora sorridente, que sempre trata bem os velhinhos, uma garota dark, cuja voz é musical e com quem eu sempre quis conversar; e inúmeras outras personalidades quaisquer.

Duas me chamam a atenção: um homem (que eu vi pela primeira vez quando lia "Capitães da areia" e que por isso ficou eternamente gravado no meu subconsciente como o padre do livro) de meia idade, com traços miúdos, cabelo ralo e insegurança gritante com quem eu S-E-M-P-R-E quis conversar, mas que, embora me olhe todos os dias e escute as minhas conversas quando as profiro, nunca se sentou ao meu lado, ainda que eu sempre guarde-lhe um lugar; e um outro homem, que é a personificação do meu medo mais profundo: um típico fracassado de romance naturalista. Me corta o coração falar assim desse homem, tal qual me corta olhá-lo. Dia desses, inconformada com a aflição que sentia ao olhá-lo, comecei a me investigar o porquê. Descobri que tenho dó do desgraçado. As orelhas de abano, a cabeça triangular, as entradas grandes, o bigode escuro, o olhar baixo e o uniforme de ajudante do supermercado classe C. Adoraria saber o que dizer para melhorar o dia daquele homem.

Outras pessoas passaram a roleta, e minha costumeira seção de "ódio-próprio", como gosto de chamar, começou. Mas nesse dia foi um pouco diferente. Ironizei três ou quatro dos meus traços caricaturais, mas uma voz em mim respondeu com compaixão.

- Hoje é o dia do amor próprio, Marina? - respondeu outra voz.

A primeira riu das outras duas, e continuou. O padre de "Capitães da areia" entrou e passou reto. Resolvi parar de me depreciar, eu merecia ter um dia de descanso.

Suei mais algumas gotas até o ônibus parar na porta da escola, onde eu desci. Olhei para meus "coleguinhas", todos tão cheirosos (irritantemente cheirosos, juro que me coça o nariz) e arrumados, e senti pena deles. Deles ou de mim, não sei ao certo. Tentei passar o cartão, que nunca me dá mole, e na terceira vez consegui. Entrei, subi a rampa, sentindo neste ponto do dia a vontade de sumir que sempre eu sinto, então passei reto pelos meus colegas e adentrei a sala. Fui ao meu lugar, me sentei, e então percebi que esquecera o livro. Não é cultura, tampouco interesse. É mais a minha saída fácil para disfarçar os amigos que não tenho. Bom, de qualquer modo, sem o livro fui forçada a abrir o material e fingir que estudava algo.

A aula começou, tentei me concentrar - mas foi em vão. Tudo bem, afinal, eu havia me dado esse dia de presente. Voei a aula toda, me prendendo a filminhos que eu protagonizava; mas nem sempre como o moçinho. Adoro os meus filminhos. Neles eu nunca esqueço as palavras, nunca sou ridicularizada, e, sobretudo, nunca sou pega em flagrante. Neles eu até convenço àquelas pessoas que eu sei tão superiores de que eu também sou digna do cair do queixo delas. Esse, em particular era um drama, no qual eu era terminantemente humilhada por obra de uma tentativa de psicologia inversa. Contudo; o professor passou outro exercício e a ideia me fugiu.

As aulas continuaram, cansativas, minha barriga roncando graças ao almoço fraco e ao lanche que eu esquecera, e a bexiga explodindo, por obra da minha preguiça de descer a rampa e ir ao banheiro. Ao som do sinal de saída, me retirei. Não disse nenhum "tchau", e não, isso não me incomoda. Entrei no carro, abaixei o som como eu sempre faço (meu chofer - mentira, é perueiro - tem mania de som no último) e me entreguei a alguma conversa sem nexo com o motorista, que eu digo meu amigo. Ele me conta todos os segredos dele, e eu finjo que me importo, até dou conselhos; ao final do que eu conto os meus, sabendo que ele não está ouvindo nem uma palavra, mas os digo mesmo assim, pelo conforto barato que isso me dá. Nesse dia não foi diferente.

Entrei em casa, tirei a camisa de uniforme, a calça jeans, o tênis e as meias - tomando, é claro, o cuidado de não olhar pro espelho - e me enfiei em uma camisa gigante, que uso como vestido. Comi muito mais do que precisava, fui até o quarto, coloquei meu cd mais recente no rádio - aquele com as únicas vinte musicas grunge que conheço - me embolei na cama e chorei um pouco. Nem mesmo sei dizer por que. Acho que me dá prazer. Findo o cd, peguei o mesmo livro das primeiras horas da manhã e tentei costurar os olhos na mesmíssima linha. Fiquei com sono, fechei-o e dormi: amanhã começaria tudo de novo.

domingo

Sua voz

Sentados numa mesa de bar, não escuto a sua voz. Você fala sobre o futuro, e eu olho o seu sorriso. Tento ler seus lábios, já que a música está muito alta. Sua boca, levemente inclinada para a direita, se move rápido; desisto de entender o que está dizendo. Então opto por ouvir a música, e continuo sorrindo e acenando conforme você proporciona minhas deixas. Seus dentes, tão brancos, levemente tortos, as mãos gesticulando sem parar. Você está animada hoje. Sempre tão entusiasta, adora construir histórias hipotéticas sobre nós dois. Mas você já não é aquela garotinha ingênua da praça sete. Você embaraça caminhos alternativos em suas histórias, nunca se esquece de uma segunda opção, da saída alternativa caso nosso amor não dê certo. Você se resguarda, de mim. Pensa que eu não percebo, não é, meu amor? Mas eu venho anotando cada desarmar de sorriso, desde os nossos quinze anos. E isso é o que eu mais amo em você. Sua independência, sua personalidade forte, mandona. Mas isso não desmerece sua meiguice, o calor constante da sua pele, seu cheiro limpo, suas mãos macias. Nem o charme dos seus palavrões esporádicos, ou das suas crises de mau humor. Você andou amadurecendo, meu amor. Já não me deixa ler seus olhos quando eu os repreendo. Nem mesmo me conta suas frustrações mais embaraçosas. E eu também admiro-lhe isso. Aprendeu sozinha que não é bom que conheçam nossas fraquezas, especialmente aqueles mais próximos. Só ainda não percebeu que existem alguns que te conhecem de berço, e que desses você não se pode esconder. Mesmo assim, acho bonitinhas suas tentativas de dissimular. E agora você aqui, falando comigo, pra mim, de mim; daquele jeitinho que me faz pensar que você se importa. Sabe, um dia eu planejei meu futuro com você. Um dia eu levei bem a sério essas suas palavras, misturadas com a bossa nova do bar. Afoguei-me nelas, adorei o gosto. Mas então, deliciosamente vagante daquele seu mundo, eu entrei em um dos caminhos bifurcados que você guardava para si. Longe de seus olhos eu inspecionei cada metro quadrado das novas terras, com sorriso vitorioso de explorador. E então você me enxotou. Desmanchou aquele sorriso, desviou aquele olhar. E foi ali que descobri que você crescia. Sabe, meu amor, sua maturidade me enternece. É muito inteligente tirar sua vida do alcance daquele garoto mal vestido com a barba por fazer e sem perspectiva de futuro. Muito inteligente tirar seu sucesso das garras do seu amigo enamorado. De mim. Agora você segura meu braço, os olhos bem abertos, pergunta-me se concordo. Sim, meu amor, eu concordo com tudo em você. "Por quê?". Porque você mudou, meu amor.

quinta-feira

Tutela do Brasil

A mamãe fala mal do papai. O papai fala mal da mamãe. Vovô, vou votar nulo.
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Estou escandalizada. Nunca acompanhei política antes, então talvez esse seja o incentivador do meu assombramento. Contudo, mesmo por um ângulo de aceitação e banalização das baixarias do horário eleitoral, as coisas ainda me parecem sérias.
Tudo bem, alfinetadas entre as oposições eu nem tento discutir, tirar vantagem de todos os deslizes dos outros candidatos já virou pré-requisito da politicagem. O que me incomoda, ainda, são as manifestações populares. A confusão que os "militantes" causaram no Rio de Janeiro não me parece normal, nem justificável, e a bobina de fita crepe arremessada no candidato José Serra menos ainda.
Estamos em uma democracia, e em período eleitoral. Democracia, você pode se expressar livremente, sem violência. Eleitoral, você pode escolher, sem violência. Ninguém está se impondo no poder, ninguém está se colocando acima da força popular. Por que, então, tantas manifestações? Concordo plenamente com a ideia de expressão de opinião, e não vejo nada de errado em debater visões políticas diferentes. Na verdade, acho que ambos são essenciais no presente momento. Mas não há explicação para tumultos e agressões físicas.
Ontem (ou anteontem, os jornais se acumulam e ficam jogados pela minha casa) foi publicada na seção de fotos do jornal A Cidade uma pichação, aqui em Ribeirão mesmo, que incentivava o voto nulo. Fiquei muito preocupada com o ocorrido, pois a ideia de movimentos a favor da anulação de voto me parece radical e digna de um quadro imensamente mais grave que o atual - quero dizer, a Dilma tem cara de má e as olheiras do Serra me assustam, mas não estamos sob uma ditadura nem nada do tipo.
Depois procurei pela pichação para aqui publicar e me deparei com inúmeros materiais de conteúdo parecido - charges, camisas, vídeos e artigos expressando a revolta popular.
Mas eu me pergunto, revoltados por quê?
É certo que os ditos golpes baixos do horário eleitoral instigam violência, - e me atrevo a dizer que Dilma não tem maturidade para entender com o que está mexendo - mas vamos com calma. De primeiro achei tudo vil e baixo e quis desligar a televisão, já que na minha inocente concepção política era algo digno e importante, e esse tipo de ataque nunca acontecia explicitamente. Mas, superada a frustração, mudei minha visão sobre o tema. É certo. É importante. É bom que os próprios partidos se desmascarem aos olhos públicos, para que saibamos em o que estamos apostando. Mas, logicamente, a visão crítica de cada um precisa continuar alerta; ou seriamos manipulados pela primeira campanha suja que aparecesse. Só que, assim me parece, uma parte dos brasileiros não tiveram maturidade para filtrar os fatos que devem ser pesados das palavras pesadas que a oposição colocou no meio para descredibilizar o candidato. E daí saem tumulto no Rio, campanhas pró voto nulo e todo tipo de insatisfação.
Mesmo assim, há algo de estranho nesse sentimento de opressão que vem se estampando no povo, ainda mais quando as leis da democracia vêm sendo corretamente seguidas - ainda que nem sempre para bom uso, como vimos diariamente no horário eleitoral do primeiro turno - e, torno a dizer, quando ninguém está nos obrigando a nada. O povo precisa é de pensar antes de agir. Atacar os candidatos não ajuda a esclarecer suas propostas, nem a mudá-las.

sexta-feira

Exentricismos forçados

Não sei se você, caro leitor, já percebeu, mas está em alta ser cínico. Como se os modelos comuns já tivessem esgotado em matéria de chamar antenção, hoje idealisa-se tudo o que foi um dia posto como errado. E aí entra o anti-social, o sádico, o suicida, e todo o mais que têm chances de impressionar seus pais.
Eu só consigo dar risada dessa necessidade de notabilidade - mas é obvio, e vocês sabem, que se trata de uma risada artificial para aludir alguma altivez. Enfim, ouço por todo lado que a humanindade perdeu os princípios. Aos que reproduzem a dita frase (ainda que só por impulso pré condicionado) eu acrescento: Acalmem-se, meus queridos, é só a moda da vez.
Ainda assim, me preocupa essa tendência poser. Quer dizer, como se o mundo já não fosse ridículo o suficiente com filhinhos de papai fingindo princípios comunistas em cima de um skate, agora temos que aturar cabeças ocas verbalizando revoltas infundadas e ocupando o tempo do jornal matutino com acidentes de trânsito causados por alcoolismo?
Esse pessoal me tira do sério. Essa vontade de chamar atenção, essa mania de manchar a reputação dos jovens com suas carências inconsequentes... E eu não entendo. Quem vai ficar com um fígado danificado é você. Quem vai ser um adulto inseguro por não ter formado um caráter saudável é você. Quem vai ter um emprego mediocre uma vez que não teve uma formação decente também é você. Quer dizer, seu papai vai passar um pouco de raiva sim, mas... É a sua vida, imbecil!

quinta-feira

Sobre lendas e espadas afiadas

Estou enfastiada com épicos. Seus feitos pródigos e sua moral incontestável, toda sua perfeição, tendem a me desestimular mais e mais. Deveria sentir-me inspirada com aventuras inimagináveis que eu jamais vivenciarei? Frustração, isso sim é o que me despertam todos esses disparates em edição de bolso.
O pior é que as prateleiras estão abarrotadas dos mesmos. E parece que a ideia de refúgio funciona em grande parte do público consumidor. Mesmo o cinema vem sendo empesteado. O triste é que eu adoro épicos.
Mas o que realmente me chateia é estar percebendo, só agora, como a neomitologia neles presente - pois em se tratando de uma mitologia intensamente modificada, de uma forma, aliás, que eu não acredito permissível, não cabe mais nos limiares da palavra "mitologia" -, enfim, como a neomitologia neles presente é, simples assim, a representação simbólica dos ideais humanos.
No último dos épicos (impresso em escala industrial com fins meramente pecuniários) que li, os elfos eram ateus. ATEUS! Quer dizer, além de lindos, nobres, fortes, talentosos e todo o mais que a humanidade almeja, eles eram independentes, livres de qualquer força superior. Não contentes, eram também imortais e eternamente jovens.
Se a mitologia tradicional era destinada a educar e moldar o caráter humano com alegorias que melhor traduzissem uma sabedoria popular necessária à todas as mentes pelo bom funcionamento de uma sociedade, hoje, o que restou dela só existe para promover os dogmas do capitalismo - diluídos e mascarados, de forma não só aceitável como admirável, digna de ser posta como ideal.
O digo porque não posso entender por um prisma menos pragmático o feitiche por escravizar a humanidade e dominar o mundo (seja superior, seja melhor, subjugue tudo pelo próprio sucesso) dos nossos últimos vilões, ou ainda a lealdade inexorável em prol da mentalidade dominante da determinada época (defendam o modelo, se corrompam para credibilizar o situacional way of life) dos nossos últimos heróis.
Isso, se acompanhado pela arte dos anões, a imperturbabilidade das dríades, a beleza das fadas, a altivez das sereias, a graça dos dragões e até com a força dos minotauros, torna impossível de ser ignorada a essência atual dos épicos: inspirar, frustrar, gerar novas necessidades - o infalível fazer vender.
Certo, revoltante. Mas, se me dão licença, preciso preencher o cadastro da loja virtual ao lado para efetuar o pedido da minha próxima frustração brochura ilustrada 344 páginas em edição especial - promoção relâmpago!

sábado

- Você é feliz?
- Não.
- Por quê?
- Porque eu não sou quem eu gostaria de ser.
- Alguém é?
- Não sei.
- Ninguém é.
- Por quê?
- Porque querer ser subentende não ser.
- Então a felicidade não existe.
- Não.
- Então por que a pergunta?
- Para provar minha teoria.
- Para quem?
- Para mim.
- Por quê?
- Para me consolar.
- Quanto a quê?
- Minha felicidade.
- Entristece-lhe?
- O tempo todo.
- Como?
- Fazendo-me egoísta.
- ...
- Egoísta. Insensível a dores alheias.
- Então todos os felizes são egoístas?
- Sim, exceto os infelizes.
- Mas os infelizes não são felizes!
- Por isso eu digo que o são.
- Você é louco.
- Provavelmente...
- Felicidade não existe.
- Não.
- Então ninguém é egoísta.
- Eu sou.
- E por isso é feliz?
- Você entendeu a teoria.

domingo

SIQUEIRA, Humanitas Silva

Humanitas (e isto importa, acima de tudo), Humanitas precisa comer.
-
Afinal, qual a vantagem de ser civilizado?
É tanta hipocrisia que eu já nem sei quais os meus princípios, tanto positivismo que eu não conheço o que é real. Nem uma parca ideia sobre quanto do místico existe e quanto é golpe de poder.
A sociedade não para de "evoluir", nem eu de me perder em dúvidas. Fazem pilhéria da esperança e, não obstante, confessam os enfermos.
Nosso modelo e o exemplo só divergem, cada vez mais. Amor e interesse, abraço e traição. E o que fica no final?
Talvez adorar o Deus Fogo fosse mais saudável.

terça-feira

Minha inexatidão

a gafe com chutes por baixo da mesa
o olhar de censura
o cheiro de chuva
a fofoca que ninguém contou
a panela de brigadeiro
o trânsito das sete horas
a briga de rua com torcida
o CD riscado
o pé sujo
a silhueta de um sorriso
o livro grosso e chato
o café quente demais
a impotência sexual
a história repetida
a ideia sem nexo
o clichê hollywoodiano
o plano maquiavélico
o vizinho implicante
a verruga com pelo

sexta-feira

Quem sou eu

Falo de mim na terceira pessoa, e também falo sozinha. Discordo de qualquer coisa, pelo simples prazer de discutir. Sou irônica comigo. Rio e choro pelas mesmas frustrações. Me acho a coisa mais normal do mundo, por mais que tente não demonstrar. Não gosto de sair de casa. Me empolgo e me freio ao mesmo tempo. Nunca me permiti acreditar em algo sério. Sou completamente hipócrita. Tenho a autoestima mais baixa que você já viu, e também o maior ego. Sempre me dou a razão, e sempre te faço acreditar que eu estou certa nisso. Me humilho por prazer. Me sinto sozinha o tempo todo. Sou obcecada por pessoas problemáticas. Fico furiosa com coisas que quase ninguém entende. Tenho nojo de multidões, e finjo repulsa a qualquer contato físico. Adoro quando me alimentam o ego, mas nunca aceitei de verdade um elogio. Sempre acredito no que dizem que eu sou. Meu maior sonho é entrar pra história. Digo aos quatro ventos que amor é superstição, mas continuo idealizando um para mim. Choro antes de dormir, escondida. Sinto ódio mortal quando alguém me pede ajuda com problemas sentimentais. Não gosto de me explicar, mesmo porque eu nunca me entendo. Minto bem quando quero. Me ofendo muito fácil. Pego coisas no ar, e percebo o que eu devo ou não dizer; mas é claro que eu sempre faço o contrário. Nunca terminei nada que eu tenha começado por vontade própria. Sou péssima agindo sob ordens. Gosto de dançar em frente ao espelho. Fico deprimida com frequência. Sempre acho que não vão me reconhecer ou lembrar meu nome. Sou revoltada com os padrões de beleza tanto quanto com a minha beleza. Tenho fascínio por idade média, Irlanda, duendes, ruivas naturais e cavalos brancos. Acho todos os adolescentes ridículos, e me incluo nisso. Odeio todo tipo de dó. Quando vejo alguém, imagino como é aquela pessoa, e acabo demonstrando pelo olhar. Sinto vontade de sumir quando reconheço esse mesmo olhar virado pra mim. Acredito que todos os seres vivos têm o mesmo direito à vida, mas continuo matando baratas. Insegurança me irrita, gírias adolescentes também. Adoro música, livros e chocolate. Me engano tão bem que às vezes acredito. Tenho resposta pra tudo, e se não tenho invento.

Mas se me perguntarem Quem sou Eu...

-> digo meu nome completo e o número do meu RG, há!

segunda-feira

Amor platônico?


O Brasil é um meninão parado, que não entende de música nem de Shakespeare, daqueles que não vêem nexo em brigas ou em tinta pra cabelo. O Brasil é um meninote desengonçado, daqueles que adoram a camisa três números maior. O Brasil é um rapazinho cheio de espinhas, daqueles que espalham bons principios sem intenção nenhuma. O Brasil é um excluido, um invisível. O Brasil é aquele cara que todo mundo inveja nos cantos mais escuros do subconsciente.
-
O EUA é uma moçinha na moda, daquelas que lêem revista teen e usam calça colorida.

Tropeços


Eu sinto os sonhos presos em mim. Eu sinto o cheiro das suas mentiras a me sufocar. Falseio com o peso das palavras não ditas... Será que eu ainda vou cair? Hei de cair, todos eles parecem saber. Me observam ansiosos, me vigiam sem me guardar. Quem estenderá a mão a me levantar? Vejo pessoas passando, mas não vejo brilho em seus olhos. Eles fingem muito bem, mas não parecem dispostos a me ajudar. Ouço um sino atordoante, é o sinal de largada... e a corrida começou. Apostando para ver quem chega mais rápido ao fim, ao pódio do eu te disse. Jogando no nada sua ultima gota de suor, esbaforidos com a pressa de saber. Eles vão chegar, cedo ou tarde, e logo a corrida acaba. Vidas gastas em vão, enquanto as palavras pesam mais e mais... e o relógio avança, ele vai me engolir. Corro do tempo, corro dos sonhos, corro da corrida e corro de mim. Duas estradas, por qual seguir? Nenhuma é bela e nenhuma é escura, são só caminhos, caminhos quaisquer. O tempo se aproxima, parece faminto. O extinto de sobrevivência me joga sobre o mato, sem estrada e sem caminho. A folhagem parece dura, mais dura que o chão e mais dura que os erros. Um tapa na cara que soa de medo. Me levanto bem rápido, sem mão, sem nada. Olho pro céu e dou um basta em tudo. O tempo para. Os sonhos esperam. As mentiras ficaram para trás. As palavras me encaram do chão. A corrida acabou. Leve mas não livre, viro meu corpo e caminho à rumo oposto. O sol brilha quente e as flores cheiram a dor. Meu coração se esfria enquanto meus olhos esquecem do amor.

domingo

Um minuto sem verdade


Eu quero um pouco da hipocrisia burguesa, da vida inventada, da classe imaginária. Quero um pouco do glamour, dos cortejos, da burrice bem polida. Quero um pouco daquela maquiagem, e um pouco daquele sorriso estampado. Quero ouvir só coisas belas, e falar só o que quiserem ouvir. Quero um minuto sem verdade.

Pra onde foram

as ideias revolucionarias, a paixão pela vida, pelo real, pelo momento?

sexta-feira

Querido Amigo,

Será que poderias me contar mais uma vez aquela história sobre auto confiança? É que Glória tem falado muito sobre essa história, mas eu acredito que ela esteja contando errado.

sábado

Sobre a ataraxia politica.


Desde o grito da informática, que chegou com a terceira revolução industrial, jovens do mundo inteiro se esqueceram de contestar a sociedade, politica e economia mundial; para se trancarem em seu próprio mundo, onde regem suas próprias leis e onde os aborrecimentos daquela existência cada dia mais complexa não entram. Depois de pouco tempo, a juventude estava tão desintegrada do sistema vigente que qualquer intervenção por parte desta perdeu o sentido. E é aí que nós estamos. Agora, convenhamos: o sistema político, satisfatório ou não, foi projetado por pessoas incomparávelmente mais engajadas que a nossa geração; por tanto nossa falta de atitude, de vontade ou de ideais é simplesmente coerente. De todo modo, sistema nenhum é perfeito, então por que é tão dificil de se aceitar que o atual é correspondente ao nosso momento histórico? Acho que é hora de enxergar que revolta nem sempre é a melhor conduta. Às vezes, integração já basta.

sexta-feira

" Sorriu.
E no seu sorriso já havia garras.
Uma aluvião de cenas, que ela jamais tentara explicar e que até aí jaziam esquecidas nos meandros do seu passado, apresentavam-se agora nítidas e transparentes. Compreendeu como era que certos velhos respeitáveis, cujas fotografias Leónie lhe mostrara no dia que passaram juntas, deixavam-se vilmente cavalgar pela loureira, cativos e submissos, pagando a escravidão com a honra, os bens, e até com a própria vida, se a prostituta, depois de os ter esgotado, fechava-lhes o corpo. E continuou a sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto fora posto no mundo simplesmente para servir ao feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar de sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia tranquilamente desfrutando o seu império, endeusada e querida, prodigalizando martírios que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.
- Ah! homens! homens!... sussurou ela de envolta com um suspiro."

O cortiço,
Aluísio Azevedo

quinta-feira

Pelos becos.


Costumava ser feliz, mas foi ficando cada vez mais quieto. E eu percebi o silêncio. Por um lado ele me acalmava, esclarecia muita coisa... Mas não demorou pra eu cansar de entender. De repente eu só queria parar de saber, e de repente a minha própria voz se tornou inconveniente. Já gritei no travesseiro mais de uma vez, já puxei meus próprios cabelos tantas outras, e então comecei a fazer roxos nos meus próprios braços. O que eu via no espelho era tão irritante quanto tudo o que eu via na televisão. Resolvi mudar de plano. Aluguei tantos livros quanto eu era capaz de ler, me obriguei a ouvir música em qualquer tempo livre, e até que consegui me calar por um tempo. Mas vez ou outra, a solidão me pegava. Cogitei suicídio. Depois decidi que era fraqueza. Cansei até do meu cachorro. As músicas que eu idolatrava de repente perderam o timbre, e o Deus que todo mundo louvava me parecia cada vez mais egocêntrico. Tentei ouvir algo mais sério, pesquisei os temas mais bizarros, e até visitei rituais satânicos. Não muito tempo depois, o obscuro também perdeu a graça. A sociedade me enojava, e eu estava começando a sentir repulsa por todos os que um dia conheci. Minha vida não tinha motivos e minha luta por opinião própria estava começando a me irritar. Mesmo assim, drogas sempre me pareceram estupidamente inúteis. Foi mais ou menos depois de uma semana sem trocar de roupa que meus pais explodiram. Já vinham tentando me "ajudar" há muito tempo, mas qualquer tentativa da parte deles era inútil. Eu estava perdida, e sabia disso. E eu não acreditava que um dia me encontraria. De todo modo, em uma segunda-feira nublada, me lembro bem, eles tentaram me levar a um psicólogo. Foram duas horas de consulta sem a mínima manifestação da minha voz. Vi os lábios da médica aconselhando procedimentos aos meus país, mas juro que não ouvi uma palavra. Eu estava aprendendo a me perder em mim também. Na mesma segunda-feira, tarde da noite, eu decidi que não queria mais encenar aquele teatrinho de familia feliz. Roubei algumas notas da carteira do meu pai, peguei meu melhor jeans, um agasalho e uma outra troca de roupa, joguei tudo no fundo de uma mochila e saí. Não fiquei na cidade nem mais um dia, e usei dos meus tributos femininos para conseguir transporte, comida e estadia. Vivi nas ruas por dois anos, de cidade em cidade, de bar em bar, me prostituindo para não trabalhar, e vivendo de favores e doações. Não reclamo, foi uma aventura incrível, mas depois de um tempo comecei a ficar enojada com a quantidade de garotas grávidas e miseráveis que me cercavam. Percebi que aquela vida não tinha mais brilho. A esta altura eu tinha lá meus dezessete anos, e decidi começar algo do qual me orgulhasse. Fui para a capital, consegui um emprego como ajudante de bibliotecária e uma vaga em um pensionato de baixo calão. Ainda usava dos meus seios para conseguir refeições quando estas me faltavam, mas agora com motivos mais nobres: queria estudar. Aprendi muito sozinha, e depois de sete meses como assistente de bibliotecária eu já tinha uma boa noção de matemática, historia e política. Com o dinheiro que eu juntara por estes meses, um concurso de bolsas bem sucedido e um emprego regular, segui vivendo. Os cinco anos seguintes foram apáticos, com alguns garotos e algumas amizades fingidas, mas nada daquela magia universitária; mesmo por que eu já conhecia a vida o bastante para não me empolgar com transas e alguns goles de vodka. Nunca mais vi minha familia, e acho que eles cansaram de me procurar lá pelo terceiro ano. Também acho que em algum dia desde então eles brindaram minha fuga, mas esta é uma opinião que não divulgo mais. Hoje, tenho minha própria mobília e um aluguel em dia. Não frequento igreja nenhuma, e também não sorrio na rua. Sei que o bem não passa de farsa e que a humanidade não é bonita, e aquele sonho imaturo de mudar o mundo e ter nome na história já ficou para trás. Não sou feliz, não tenho amigos, familia ou marido; mas se querem saber, me considero muito melhor que todas essas pessoas realizadas e amadas por aí. Por que eu... Eu sei o que nós criamos.

The rivers on the pavement
Are flowing down with blood
The children of the future
Are drowning in the flood
Where did all the love go?