"Questão a resolver: como conciliar a crença que o mundo é, em grande parte, uma ilusão, com crença na necessidade de melhorar essa ilusão? Como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?" Aldous Huxley

domingo

sobre a igreja católica

Aeae pessoal, foi decretado que o Limbo não existe mais. Limbo é o lugar para o qual as pessoas de bem não batizadas vão. Bom, iam né. Agora o Papa e um grupo de graduados decidiram que "como Deus é piedoso, ele quer que todos os seres humanos sejam salvos". Maravilhoso, não é? Deus quer! "A partir de agora, pela resolução do Vaticano, as crianças que morreram e vierem a morrer antes de serem batizadas poderão ser salvas." Eles deixaram!! Ah, meu priminho vai finalmente encontrar a paz, cara, eles são o máximo mesmo né?! Eu devia ir até lá agradecer com ouro e segui-los pra sempre.
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Ok, achem o quão imaturo quiserem eu tratar com sarcasmo uma questão levada a sério por muitos; não pude evitar. A notícia é um pouco antiga (bastante, é de 2007), trombei com ela sem querer e precisava dividir minha indignação com alguém. Depois eu digo que religião é criação do homem e os fanáticos se ofendem, mas poxa, o papa está aí pra provar a minha tese sem eu nem pedir. Pois ele, e seus teólogos assistentes, decidiram por si a inexistência do limbo. Ou vai dizer que deus escreveu pra eles no alto de outra montanha?! Essa cegueira me incomoda. Está tudo alto e claro, mas alguns preferem fingir. Apenas uma questão de maturidade emocional para entender o mundo sob esse ou aquele prisma, eu sei, mas defender uma instituição que se desmoraliza por livre e espontânea vontade? Por favor, acordem logo.

sábado

Reflexo

Sinto raiva do espelho. O reflexo me pega desprevenida, me assusta e me decepciona. E o impulso é julgar, sempre é julgar; por prazer, por maldade, por necessidade, por distração... Logo eu me coloco encurralada. Jogo no espelho a minha desaprovação, mas ele reflete. Me encara com os olhos frios, com a mesma boca torta por sinismo. Aumenta ainda mais a minha raiva. E a incompreensão. Quem é ela pra me julgar? O que ela pensa que é pra vir vomitar tamanho desprezo? As sobrancelhas arqueadas, a face sempre apática. Estou cansada do espelho. E dos cadernos, das coisas, das roupas. Há tempos que também estou cansada das palavras. Das noções vagas, dos planos falhos, de toda essa esperança. Odeio assistir ao noticiário. E a filmes que não entendo. Me forçam a engolir a covardia da vítima, os golpes mal dados, a manipulação da mídia, o roteiro vago e mal iterpretado, os clichês vazios... A minha realidade. E estou farta dela. Não aguento mais nenhuma colherada, gole, pedaço, alusão. Mas tudo bem, faz tempo que não assisto a filmes ou noticiários. E também faz dias que não penso no meu desconforto comigo. Estou aprendendo a deixar, esquecer, me distrair, calar. E também estou tentando aprender a usar certo a cedilha. Voltei a decorar o meu quarto, é um bom sinal. Quero muito colocar renda no teto, comprar um lustre de palha, tirar os adesivos de Wendy e de coraçõezinhos da porta, terminar de colar as frases em cima da cabeceira... E continuar folheando as revistas sobre profissões, terminar de ler aquele livro, aprender física, baixar músicas. Mesmo continuar rabiscando aqui. Depois de um ano, minha unha está comprida novamente. Talvez eu até queira pintá-la de vermelho. E tampar os espelhos. Isso, tampar todos os espelhos.

terça-feira

mais férias

Sabe quando você canta junto com a música no tom exato do cantor, e então acredita que nem é tão difícil, mas depois tenta sozinho e percebe que você é terrível? É mais ou menos como quando você começa um desenho, acha que vai ficar esplêndido, e quando você termina e olha de longe descobre como as coisas ficaram desproporcionais e confusas e estranhas e horríveis. Também lembra aquela sensação de quando você começa a escrever um livro, pára na página 30 e percebe que odiou. Aí você religa a música, apaga o texto e rasga o desenho, olha pra baixo e vê que uma janela do msn está piscando: um desocupado resolveu te cumprimentar. Então você responde, e ambos conversam inutilidades até você esquecer de todo o resto... É, talvez não seja tão chato assim ter "amigos".

(sim, ainda preciso das aspas)

quinta-feira

férias

Tenho tomado banhos semanais, só escovo meus dentes de três em três dias e nunca mais estendi a cama. A louça eu uso quantas vezes precisar, e deixo as formigas se encarregarem das baratas mortas. Também tenho matado borboletas. Quer dizer, elas me incomodam e só diferem das baratas ou pernelongos pela beleza. É tão estúpido matar mosquitos e poupar borboletas.
Não almoço direito já faz um tempo. Também faz um bom tempo que eu não estudo. Do livro que eu estava lendo com tanta vontade, não viro uma página faz semanas. Os papeis coloridos que comprei pra decorar o quarto continuam na sacola, ao lado dos recortes de jornal que seriam um mural, e acho que nunca assisti a tantos filmes seguidos. Dia desses fui ao centro de pijama.
Acabei de rabiscar minha mão. Bastante. Sujei a mesa por sinal, adoro me riscar quando não tenho o que fazer. Minha barriga está queimando de fome, acho que esqueci de comer. Tanto faz, estou resolvendo com chocolate. Minha caligrafia está mundando. É engraçado, ela muda todo ano. Minha cachorra já está quase aprendendo a repôr o pote de ração sozinha. Não sei de mais nada. Estou uma bagunça e sem vontade de arrumar.

terça-feira

Vencido por resistência

Ultimamente ele vinha negando todos os seus valores sem motivo aparente. As pessoas já não o entediavam tanto, até voltara a tomar banhos regulares. Chegava a fingir que havia encontrado motivos maiores, que pretendia ascensão espiritual; e pode-se dizer que era um bom ator. Espelhava-se agora nas qualidades mais bonitas de seus ídolos, estava até começando a voltar atrás em suas palavras turronas. Resolvera se inspirar em noções menos filosóficas, mais mundanas e plausíveis; algo mais perto do presente. E estava indo bem, até aquela madrugada.
Bisbilhotava sites aleatórios para espantar o tédio e o sono, até que encontrou teorias absurdas que de tão improváveis o davam certo conforto. Mergulhou de cabeça nas doutrinas bizarras, por distração. Sabia-as tolas, mas era tarde e nenhum conhecido online tinha palavras interessantes para dividir, então continuou. Leu até a manhã seguinte, mas nada como nos filmes. Não se manteve a base de café - não surtia efeito nenhum nele - e acabou cochilando por muitas vezes durante os trechos demasiadamente técnicos. No dia seguinte tinha olheiras, mau hálito e dores no corpo, e então dormiu como pedia-lhe seu corpo meramente humano. Acordou com o calor da tarde, desconfortável, tomou banho e ligou o computador novamente.
Leu mais alguns artigos, sentiu vontade sincera de ser estudado o bastante para provar ou derrubar algumas das teorias, depois sentiu tédio, e então voltou a rir de si.
De teorias da conspiração passara para idealismos religiosos e então para sociedades secretas - não que os três fossem assuntos realmente distintos -, e se lembrou de como tudo aquilo era ridículo. De qualquer forma, estava com fome e dor de cabeça, então se enfiou em um jeans velho, cobriu a camiseta já fina pelo uso com uma jaqueta igualmente desbotada, juntou seu caderno de anotações, a carteira e as chaves em uma bolsa e entrou no carro.
Foi a um restaurante barato, passou na drogaria e então resolveu visitar a biblioteca local. No andar de baixo, a sessão que ele sempre visitara. Pediu por um dos livros que tinham sido citados nos trabalhos que ele lera na noite anterior, e o bibliotecário o olhou com olhos duvidosos. Ele parecia novo mas já tinha indícios de calvice, e isso unindo-se a sua magreza e grandes olhos fez com que o outro visse nele alguém interessante. O bibliotecário o indicou o andar de cima, onde ficava o material de pesquisa da biblioteca, e o rapaz se surpreendeu por nunca ter sabido de tal andar. Subiu e se deparou com outra bibliotecária, essa bem mais velha, que aparentou não gostar dele logo no primeiro instante.
Foi entrando na sala, mas a mulher o parou. "Você não pode entrar. Escolha o livro, e eu pego", e colocou ruidosamente na mesa um catalogo não tão grosso quanto o rapaz esperava encontrar a julgar a decoração do lugar. Encontrou apenas um dos livros que lhe havia interessado, e achou que seria suficiente para começar. Pediu-o, e a mulher o entregou.
Sentou-se num banco, ali dentro mesmo, e abriu o livro. Leu os capítulos que pelo título lhe despertaram maior interesse, e depois de cerca de cinquenta páginas das mais loucas crendices, resolveu que já era o bastante.
Voltou para casa a pé, irresponsável quanto ao carro, para aproveitar o ar fresco da tarde, e se sentiu absurdamente bem por não ter então nenhuma linha a sua frente lhe guiando os pensamentos. Cansou-se perto de uma praça, então parou e sentou-se por lá. Consciente da sujeira do lugar, deitou-se no banco e se pôs a analisar o céu. Não que encontrasse o que analisar, ou que aquilo lhe fizesse sentido; mas era o que sempre havia visto fazerem nos filmes, e quis se sentir alegre por dentro como a expressão dos atores parecia demonstrar. Não conseguiu. A luz doeu-lhe, não entendia o desenho das nuvens e em pouco tempo o banco duro começou a incomodar. Foi mais ou menos nesse ponto que se lembrou de que normalmente os atores se deitavam na grama verde, com as cestas de piquenique ao lado, e ladeados de uma companhia do sexo oposto para dividir a tolice do momento. Bom, sem ter o trabalho de sentir-se bobo, sentou-se e ficou a olhar para frente. A praça até que estava movimentada. Velhos com cachorros, pais com filhos pequenos, e um ou dois casaizinhos. Comprou um sorvete ali por perto, voltou à praça e reabriu o caderno. Tinha resumido algumas ideias, copiado alguns conceitos necessários ao entendimento das mesmas, e nos cantos tinha rabiscado com sua caligrafia desleixada e quase ilegível as suas próprias conclusões e discordâncias. Olhou novamente para frente, a praça ficava perto de algumas ruas comerciais. Viu mulheres com sacolas, crianças andando em velotróis, crianças maiores correndo umas atrás das outras, e olhou de novo para o caderno. Deu mais duas colheradas no sorvete, foi até a lixeira e jogou ambos, o sorvete e o caderno, no lixo. Voltou para onde tinha deixado o carro, não gostava mesmo de andar, entrou nele e foi para casa.
Não encontrou nenhuma garota estonteante no caminho, não teve nenhum tipo de esclarecimento sobre a vida, nem mesmo se livrou da dor de cabeça. Só foi para casa, ligou o computador e voltou ao seu sarcasmo habitual.
Engraçado como eu esqueço que tenho princípios em questão de minutos quando não estou triste nem irritada.

domingo

Ego

Nós não somos nada além de uma coincidência da evolução. A espécie humana não tem nada de especial senão o fato de ser a nossa. Tudo isso é invenção. O nosso deus, a nossa moral, cada valor e cada significado desde o mais simples, está na nossa cabeça e só.
O mundo material não faz sentido. Nenhum dos meus desejos fazem.

...Só que eu cansei de ver desse jeito.
Estou aqui por motivo nenhum e com finalidade nenhuma. Isto é, nenhuma além de perpetuar a espécie, mas já está claro que perpetuar a espécie é tão inútil quanto eu. Não posso continuar existindo com essa concepção, então optei por ignorantemente negá-la.
Idependente dos motivos, a vida existe e eu estou aqui. Então tudo bem, vou viver até quando conseguir e vou estudar coisas que me interessam, mas sem me culpar por ler sobre criações mundanas que nada valem. Talvez um dia eu até esbarre nos conceitos que me assombram; mas nunca mais vou deixar que eles me governem.
Sou nova e inconsequente, sei pouco de mim; contudo posso dizer, alto e claro, sem medo da pretensão, que entendi o princípio da vida: ela não é poética ou apotética como iludiam-nos os filósofos. A vida é um acaso, e as razões do mundo não estão em nenhum lugar fora da consciência humana.
Não preciso mais existir nesse erro. Vou continuar aqui, e agora livre por saber que razão nenhuma me coage.
O engraçado é que eu ainda não estou feliz...

quarta-feira

!

Que saco
Preciso de uma ocupação que não seja pensar
Meus pensamentos estão me enlouquecendo
Quero um modelo pra admirar
Ou simplesmente alguém pra gostar
Quando vão dizer as palavras que me tiram o fôlego?
Preciso me sentir diminuída perto de alguém melhor
E de algo que me deixe acreditar na sua poesia grotesca
Essa ansiedade por me culpar
Tô cansada de me arrepender sem motivo nenhum
De fingir que vivo tanto na minha ideologia quanto na minha hipocrisia
Eu sei que não existo pra nenhuma das duas
Meus desabafos me irritam de um tanto... (nem vou tentar coesão)
Minhas desilusões são sempre tão tolas
Eu sou tola
E ainda assim acho justo exigir alguém superior
Pra fingir que amo
Ainda me acho digna de escrever com letra maiúscula
Não, eu não sou
- não sou -
Te acho tão ridículo
Não te entendo
E nem você a mim
Gosto de fazer coisas que eu repudio pra afirmar minha baixeza
Quando me julgam vil e me convencem
Pois é
Que belo lixo
Meus grandes dilemas nunca passaram de besteira
Hahaha, e eu que me acho importante
Droga, e vocês?
Todas as minhas sílabas passam pela minha censura
Apago as verdades que podem ferir aqueles mais frágeis
Mas os fonemas não
Por isso sou boba
Ainda mais perto de alguns
Na verdade sou imbecil em tempo integral; escondo bem
Ao ponto em que vejo que alguns o reconhecem vejo que outros me admiram
Tenho dó
Só metas compradas e sonhos implantados
E aquilo que eu realmente quis logo se provou impossível
Nessa droga legalizada (e sem efeito)
Pois é, sem coesão
Mas tanto faz, ninguém entenderia ainda que eu usasse as palavras direito
Se eu conseguisse
Enfim, ...
Que saco.

terça-feira

Nosso mundo

A globalização foi a maior desgraça da humanidade. Destruiu a nossa singularidade, espatifou as mais belas esculturas simplesmente porque não se encaixavam... Hoje a nação massificada sofre as consequências, que se expressam claramente nas religiões. E os conflitos estão aí, frutos de ideias que foram projetadas para jamais se chocarem. Acho triste a irreversibilidade de que crenças dessa natureza não possam ser as mesmas depois do contato com outras. Ainda pior é o prejuízo sofrido pelas doutrinas que tentam se massificar à lá séc. XXI, uma vez que é lógico o corrompimento de qualquer ideia proposta a adequar-se a diferentes culturas.
Ademais, com opções de verdades absolutas antagônicas não é de se surpreender que as pessoas fiquem perdidas. No mundo globalizado muita coisa deixa de ser acreditada, e valores antes de primeira importância passam a ser menosprezados. Só não entendo a maldita vantagem dessa bagunça cultural. Quer dizer, além do dinheiro que uns poucos empresários ganham graças a um mercado consumidor mundial - todos querendo a mesma coisa, do mesmo jeito, sem maiores exigencias - o que é que nós ganhamos?!
Somos os fantoches. E felizes por sê-los, de tão corrompidos.
O egocentrismo humano exige uma crença espiritual, um significado teologico para a nossa vil existência; e nada mais natural vindo de um ser "inteligente". O ponto é que a nossa versão precisa ser absoluta para convencer-nos em nossa ignorância, o que certamente é incentivado pela globalização. É inclusive a proposta da 'Nova Era'. E da ciência. Mas quanta guerra ainda teremos de travar para chegar a tal?
Comparando os dogmas imparcialmente, a resposta óbvia é o ateísmo e a consciência de que as diferentes manifestações em matéria de religião ao longo dos povos tem motivos comuns como educação e unificação social. Logo, a única fuga a essa regra se caracteriza em uma teologia unificada. Contudo, eu estou demasiadamente convencida pelo pragmatismo ateu para me iludir com a possibilidade. Se a finalidade é proporcionar princípios para a continuidade de uma vida sã, qual a diferença de uma noção unificada ou várias independentes, diferentes e incomunicáveis? Mas a globalização já nos tirou essa chance...
Ela generosamente deixou-nos com o ceticismo e a iminência de guerra. Sem esperança. Confundiu nosso credo e ridicularizou a filosofia ancestral. Aplaudi a globalização, venerai a globalização, mimai a globalização; antes que ela se enjoe da vossa ignorância também.

sábado

Despedida

Tenho andado um pouco triste. Os problemas de antes já não me incomodam tanto, acho que superei aquelas deficiências que me perturbavam; mas no caminho descobri outras. Os furos na personalidade, a incapacidade de expressar certas coisas - tudo isso continua aqui, mas agora com outras máscaras. Evoluí muito, isso eu vejo. Hoje em dia eu mal reconheço a garota que eu era um ano atrás.
Eu costumava sonhar com o primeiro beijo, com o vestido de princesa da festa de quinze anos, com a popularidade que eu tanto queria. Hoje eu sinto que daria minha virgindade sem peso nenhum na consciência, hoje eu abomino 'parabéns pra você' e guardo em segredo a data do meu aniversário, e hoje eu me orgulho por não perder tempo comigo em nome de amizades colegiais.
Hoje eu olho mais adiante, e hoje eu tenho noção dos vazios do mundo. Um ano atrás eu nunca conseguiria saber o sentimento de depressão, eu não poderia entender uma crise existencial. Sinceramente é difícil acreditar que eu mudei tanto, não entendo o que houve em mim para inspirar essa revolução. Quando tento me lembrar da mentalidade que eu tinha, só sinto uma fumaça; uma confusão de visões simplistas e fúteis onde nada era verdade. Algo me diz que um dia eu vou olhar pra quem eu sou agora e ter exatamente a mesma impressão, mas deixemos isso para daqui a alguns anos.
O fato é que eu mudei. Perdi muito de mim, coisas boas, reconheço. Aquela inocência, aquela alegria boba, aqueles desejos fáceis de conseguir. Também progredi em aspectos positivos. Naquela época eu não era triste, eu não ligava. Hoje eu me cobro mais, me odeio mais. Hoje, embora eu soe mais infeliz, eu posso dizer que começo a descobrir quem eu sou; e isso me conforta. Mas hoje eu tenho medo.
Mais uma prova e eu estou oficialmente no terceiro colegial. Eu queria fazer o tempo parar.
Sei que eu vou estudar demais, ter ainda menos tempo para mim, sei que eu vou ter crises e desilusões piores que as de hoje, mas tudo isso eu posso aguentar. O que me assusta é saber que eu estou ficando mais velha. É ver que em um ano eu vou ter que decidir o que eu quero fazer com a minha vida, ser "adulta". Quando eu penso que meu próximo aniversário será de 17 anos, eu não consigo acreditar.
Estou insegura com a minha estrutura emocional, com os meus novos defeitos, com a ideia de continuar crescendo e mudando, mas estou ainda mais insegura com as decisões que terei de fazer. Quando eu me digo criança e percebo que já não parece natural, eu tenho vontade de gritar - e isso porque no fundo eu já não vejo a criança em mim. Claro, a ignorância e a fragilidade continuam ali; mas hoje é só isso: imaturidade, resquícios dos defeitos que eu ainda não consertei. É horrível a ideia de que de repente eu já não sou 'bonitinha', e sim patética.
Acho que no fundo o meu grande problema é saber por intuição que amanhã eu vou achar o meu hoje vazio de valor e significado, vou rir dele, vou desprezá-lo. E o pior: saber que amanhã eu vou ser distante e desconhecida da pessoa que eu sou Hoje. Eu vou sentir saudades de mim...

terça-feira

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Fomos tão bem educados para interpretarmos problemas matemáticos e uns poucos poemas predecorados que nos esquecemos de interpretar pessoas, gestos e atitudes. É que o mundo está mais prático, as regras hoje são mais simples. Os costumes mudaram: agora basta perguntar. O problema é responder...

Queria que alguém me entendesse sem eu precisar falar.
Que alguém soubesse o que dizer.
Soubesse o que quer dizer.
O que eu quero dizer.

segunda-feira

Meu futuro

Me peguei olhando demais para os homens de camisa de manga comprida e calça social, para seus carros do ano brilhantes, para os cabelos curtos e escovados de suas esposas, para seus filhinhos de olhos claros; de repente descobri que morro de vontade de fazer parte dessa estupidez.
Demonstro princípios antimaterialistas o tempo todo, e nem vou me dar ao trabalho de esconder minha hipocrisia sob a pressão da mídia. Acontece que, por mais que eu idolatre a ideia de uma casa no campo, paz e conforto, eu não posso dizer que um emprego importante e férias no exterior sejam noções que me causem repulsa. Quero-as, e por vontade própria.
Penso muito a respeito: o que eu vou fazer, como eu quero viver. E ainda que na maioria arrebatadora das vezes eu diga desprezível o sucesso financeiro se em contrapeso estiver a realização pessoal; eu não pretendo viver de esmola. Nem de esmola, nem sem os prazeres da vida moderna.
Ainda me surpreendo com a minha própria insensatez por vender valores nos quais nem eu mesma acredito. É simplesmente lindo renunciar ao capitalismo e me cercar de moralismos; mas percebi o outro lado quando vi que são poucos os assim predispostos. No ponto extremo do meu sonho respondo por uma sociedade alternativa, onde não circula moeda alguma. Maravilhoso. Mas e quando a comida faltar?
Impossível acreditar em uma vida sem pretenções. Meus filhos fugiriam dali o quanto antes; os olhos brilhando só de pensar na cidade grande. Eu mesma não tenho espírito pra viver essa perfeição. Eu sou humana, colegianda e abarrotada de ambições. Eu quero passar no vestibular, fazer faculdade mestrado e doutorado; eu quero ocupar um alto cargo, quero um carro macio e dar uma educação de elite para os meus filhos. Eu, mera idealista corrompida que sou, quero uma casa de campo para ir aos fins de semana.

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Oh, there's nothing wrong with them
that a thousand bucks can't fix
that a thousand arms can't hold down

(Prisoners - Regina Spektor)

bucks - gíria para dólar

domingo

Advertir vs divertir


Me revolta irrita e indigna o sensacionalismo dos jornais televisivos. Ainda mais por nos soarem assim tão comuns. Todos os dias um estupro, um assassínio, um novo espancamento. E é claro que todas as notícias chegam acompanhadas de relatos, lágrimas e apelos. Os jornais mais lembram novelas quando especulam tão descaradamente a desgraça das pessoas. São particularidades que não deveriam ir ao ar. E o pior é que a palhaçada acontece com a nossa aprovação - o digo porque mais de uma vez os tais casos de bairro caíram em meus testes de atualidades (questões de múltipla escolha das provas semanais sobre contemporaneidades que os alunos deveriam saber).
Isso não é assunto para jornal, não mesmo. Tudo bem que o jornal em seu papel de mídia de massa tem o dever de informar o publico sobre os fatos, e eu até aceito que ele faça o trabalho de conscientização contra a violência; são, inclusive, coisas que eu aprecio. Mas há diferenças entre comentar um problema social e entreter a sociedade com seus problemas. Porque é assim que eu vejo o sensacionalismo para com os casos de bairro: entretenimento. Há não muito tempo assisti uma reportagem em que era mostrado a cena do reconhecimento do corpo de uma criança que fora estuprada e assassinada, ao fim do que a jornalista tentava conseguir algumas palavras do pai desolado. Isso é um absurdo. Não dizermos nada a respeito é ainda mais absurdo.
Imagine a sua irmã caçula vítima de pedofilia. Agora imagine todos os jornais competindo pela melhor cobertura da sua desgraça. Então, como você se sente ao imaginar as entrevistas? É gostoso pensar na edição melancólica do seu choro convulsivo no final da matéria? Que tal a foto da sua irmãzinha embaixo de todas as manchetes? Ficou feliz por ver o rostinho dela no jornal de ontem? ESTÚPIDOS.

quinta-feira

Cotidiano

Hoje eu tirei a manhã pra sonhar. Inventar histórias, chorar e rir com elas... Me caçoei em pensamentos, e até me relevei um pouco. De horas em horas, os pensamentos começavam a ficar monótonos, e o tédio batia... Então eu tentava pregar o olho na linha que lia antes de começar a divagar, e minha mente se permitia outra viagem.

Passei por diálogos idealizados com as pessoas as quais admiro, depois por viagens que gostaria de fazer. Imaginei cada mínima conversa, cada olhar e cada cor. Pensei em faculdade, na decoração que um dia darei à minha casa; pensei nos sufocos que hei de passar com a minha filha (que, como torce minha mãe, - e eu também, confesso - há de ser uma chata de galochas), brinquei com minhas expressões no espelhinho do estojo; me chateei com o hipotético chefe cruel...

Pensei até nas pessoas que não suporto. Remoí as respostas que nunca dei, imaginei o sangue nos rostos que eu quis - ainda quero - ralar no asfalto; pensei até naquele cara que me chutou por insegurança.

Quando me cansei, olhei pro relógio: hora do banho. Entrei neste distraída, ainda acho que não lavei tudo o que devia. Então fiquei curtindo a água quente, me recusando a olhar pra baixo, tamanho o desgosto que sei que sentiria. Desenhei no espelho, deixei a bucha cheia de espuma, e me enrolei na toalha.

Aí almocei, pouco, juntei meus livros e saí correndo pra não perder o ônibus. Entrei nele, aquele calor, e me sentei no primeiro banco livre que encontrei. Analisei calmamente cada um que entrou, fazendo suposições sobre as respectivas personalidades - adoro fazê-las.

Pego esse ônibus todos os dias há quase dois anos. Já me familiarizei com algumas figuras. Uma professora sorridente, que sempre trata bem os velhinhos, uma garota dark, cuja voz é musical e com quem eu sempre quis conversar; e inúmeras outras personalidades quaisquer.

Duas me chamam a atenção: um homem (que eu vi pela primeira vez quando lia "Capitães da areia" e que por isso ficou eternamente gravado no meu subconsciente como o padre do livro) de meia idade, com traços miúdos, cabelo ralo e insegurança gritante com quem eu S-E-M-P-R-E quis conversar, mas que, embora me olhe todos os dias e escute as minhas conversas quando as profiro, nunca se sentou ao meu lado, ainda que eu sempre guarde-lhe um lugar; e um outro homem, que é a personificação do meu medo mais profundo: um típico fracassado de romance naturalista. Me corta o coração falar assim desse homem, tal qual me corta olhá-lo. Dia desses, inconformada com a aflição que sentia ao olhá-lo, comecei a me investigar o porquê. Descobri que tenho dó do desgraçado. As orelhas de abano, a cabeça triangular, as entradas grandes, o bigode escuro, o olhar baixo e o uniforme de ajudante do supermercado classe C. Adoraria saber o que dizer para melhorar o dia daquele homem.

Outras pessoas passaram a roleta, e minha costumeira seção de "ódio-próprio", como gosto de chamar, começou. Mas nesse dia foi um pouco diferente. Ironizei três ou quatro dos meus traços caricaturais, mas uma voz em mim respondeu com compaixão.

- Hoje é o dia do amor próprio, Marina? - respondeu outra voz.

A primeira riu das outras duas, e continuou. O padre de "Capitães da areia" entrou e passou reto. Resolvi parar de me depreciar, eu merecia ter um dia de descanso.

Suei mais algumas gotas até o ônibus parar na porta da escola, onde eu desci. Olhei para meus "coleguinhas", todos tão cheirosos (irritantemente cheirosos, juro que me coça o nariz) e arrumados, e senti pena deles. Deles ou de mim, não sei ao certo. Tentei passar o cartão, que nunca me dá mole, e na terceira vez consegui. Entrei, subi a rampa, sentindo neste ponto do dia a vontade de sumir que sempre eu sinto, então passei reto pelos meus colegas e adentrei a sala. Fui ao meu lugar, me sentei, e então percebi que esquecera o livro. Não é cultura, tampouco interesse. É mais a minha saída fácil para disfarçar os amigos que não tenho. Bom, de qualquer modo, sem o livro fui forçada a abrir o material e fingir que estudava algo.

A aula começou, tentei me concentrar - mas foi em vão. Tudo bem, afinal, eu havia me dado esse dia de presente. Voei a aula toda, me prendendo a filminhos que eu protagonizava; mas nem sempre como o moçinho. Adoro os meus filminhos. Neles eu nunca esqueço as palavras, nunca sou ridicularizada, e, sobretudo, nunca sou pega em flagrante. Neles eu até convenço àquelas pessoas que eu sei tão superiores de que eu também sou digna do cair do queixo delas. Esse, em particular era um drama, no qual eu era terminantemente humilhada por obra de uma tentativa de psicologia inversa. Contudo; o professor passou outro exercício e a ideia me fugiu.

As aulas continuaram, cansativas, minha barriga roncando graças ao almoço fraco e ao lanche que eu esquecera, e a bexiga explodindo, por obra da minha preguiça de descer a rampa e ir ao banheiro. Ao som do sinal de saída, me retirei. Não disse nenhum "tchau", e não, isso não me incomoda. Entrei no carro, abaixei o som como eu sempre faço (meu chofer - mentira, é perueiro - tem mania de som no último) e me entreguei a alguma conversa sem nexo com o motorista, que eu digo meu amigo. Ele me conta todos os segredos dele, e eu finjo que me importo, até dou conselhos; ao final do que eu conto os meus, sabendo que ele não está ouvindo nem uma palavra, mas os digo mesmo assim, pelo conforto barato que isso me dá. Nesse dia não foi diferente.

Entrei em casa, tirei a camisa de uniforme, a calça jeans, o tênis e as meias - tomando, é claro, o cuidado de não olhar pro espelho - e me enfiei em uma camisa gigante, que uso como vestido. Comi muito mais do que precisava, fui até o quarto, coloquei meu cd mais recente no rádio - aquele com as únicas vinte musicas grunge que conheço - me embolei na cama e chorei um pouco. Nem mesmo sei dizer por que. Acho que me dá prazer. Findo o cd, peguei o mesmo livro das primeiras horas da manhã e tentei costurar os olhos na mesmíssima linha. Fiquei com sono, fechei-o e dormi: amanhã começaria tudo de novo.

domingo

Sua voz

Sentados numa mesa de bar, não escuto a sua voz. Você fala sobre o futuro, e eu olho o seu sorriso. Tento ler seus lábios, já que a música está muito alta. Sua boca, levemente inclinada para a direita, se move rápido; desisto de entender o que está dizendo. Então opto por ouvir a música, e continuo sorrindo e acenando conforme você proporciona minhas deixas. Seus dentes, tão brancos, levemente tortos, as mãos gesticulando sem parar. Você está animada hoje. Sempre tão entusiasta, adora construir histórias hipotéticas sobre nós dois. Mas você já não é aquela garotinha ingênua da praça sete. Você embaraça caminhos alternativos em suas histórias, nunca se esquece de uma segunda opção, da saída alternativa caso nosso amor não dê certo. Você se resguarda, de mim. Pensa que eu não percebo, não é, meu amor? Mas eu venho anotando cada desarmar de sorriso, desde os nossos quinze anos. E isso é o que eu mais amo em você. Sua independência, sua personalidade forte, mandona. Mas isso não desmerece sua meiguice, o calor constante da sua pele, seu cheiro limpo, suas mãos macias. Nem o charme dos seus palavrões esporádicos, ou das suas crises de mau humor. Você andou amadurecendo, meu amor. Já não me deixa ler seus olhos quando eu os repreendo. Nem mesmo me conta suas frustrações mais embaraçosas. E eu também admiro-lhe isso. Aprendeu sozinha que não é bom que conheçam nossas fraquezas, especialmente aqueles mais próximos. Só ainda não percebeu que existem alguns que te conhecem de berço, e que desses você não se pode esconder. Mesmo assim, acho bonitinhas suas tentativas de dissimular. E agora você aqui, falando comigo, pra mim, de mim; daquele jeitinho que me faz pensar que você se importa. Sabe, um dia eu planejei meu futuro com você. Um dia eu levei bem a sério essas suas palavras, misturadas com a bossa nova do bar. Afoguei-me nelas, adorei o gosto. Mas então, deliciosamente vagante daquele seu mundo, eu entrei em um dos caminhos bifurcados que você guardava para si. Longe de seus olhos eu inspecionei cada metro quadrado das novas terras, com sorriso vitorioso de explorador. E então você me enxotou. Desmanchou aquele sorriso, desviou aquele olhar. E foi ali que descobri que você crescia. Sabe, meu amor, sua maturidade me enternece. É muito inteligente tirar sua vida do alcance daquele garoto mal vestido com a barba por fazer e sem perspectiva de futuro. Muito inteligente tirar seu sucesso das garras do seu amigo enamorado. De mim. Agora você segura meu braço, os olhos bem abertos, pergunta-me se concordo. Sim, meu amor, eu concordo com tudo em você. "Por quê?". Porque você mudou, meu amor.

quinta-feira

Tutela do Brasil

A mamãe fala mal do papai. O papai fala mal da mamãe. Vovô, vou votar nulo.
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Estou escandalizada. Nunca acompanhei política antes, então talvez esse seja o incentivador do meu assombramento. Contudo, mesmo por um ângulo de aceitação e banalização das baixarias do horário eleitoral, as coisas ainda me parecem sérias.
Tudo bem, alfinetadas entre as oposições eu nem tento discutir, tirar vantagem de todos os deslizes dos outros candidatos já virou pré-requisito da politicagem. O que me incomoda, ainda, são as manifestações populares. A confusão que os "militantes" causaram no Rio de Janeiro não me parece normal, nem justificável, e a bobina de fita crepe arremessada no candidato José Serra menos ainda.
Estamos em uma democracia, e em período eleitoral. Democracia, você pode se expressar livremente, sem violência. Eleitoral, você pode escolher, sem violência. Ninguém está se impondo no poder, ninguém está se colocando acima da força popular. Por que, então, tantas manifestações? Concordo plenamente com a ideia de expressão de opinião, e não vejo nada de errado em debater visões políticas diferentes. Na verdade, acho que ambos são essenciais no presente momento. Mas não há explicação para tumultos e agressões físicas.
Ontem (ou anteontem, os jornais se acumulam e ficam jogados pela minha casa) foi publicada na seção de fotos do jornal A Cidade uma pichação, aqui em Ribeirão mesmo, que incentivava o voto nulo. Fiquei muito preocupada com o ocorrido, pois a ideia de movimentos a favor da anulação de voto me parece radical e digna de um quadro imensamente mais grave que o atual - quero dizer, a Dilma tem cara de má e as olheiras do Serra me assustam, mas não estamos sob uma ditadura nem nada do tipo.
Depois procurei pela pichação para aqui publicar e me deparei com inúmeros materiais de conteúdo parecido - charges, camisas, vídeos e artigos expressando a revolta popular.
Mas eu me pergunto, revoltados por quê?
É certo que os ditos golpes baixos do horário eleitoral instigam violência, - e me atrevo a dizer que Dilma não tem maturidade para entender com o que está mexendo - mas vamos com calma. De primeiro achei tudo vil e baixo e quis desligar a televisão, já que na minha inocente concepção política era algo digno e importante, e esse tipo de ataque nunca acontecia explicitamente. Mas, superada a frustração, mudei minha visão sobre o tema. É certo. É importante. É bom que os próprios partidos se desmascarem aos olhos públicos, para que saibamos em o que estamos apostando. Mas, logicamente, a visão crítica de cada um precisa continuar alerta; ou seriamos manipulados pela primeira campanha suja que aparecesse. Só que, assim me parece, uma parte dos brasileiros não tiveram maturidade para filtrar os fatos que devem ser pesados das palavras pesadas que a oposição colocou no meio para descredibilizar o candidato. E daí saem tumulto no Rio, campanhas pró voto nulo e todo tipo de insatisfação.
Mesmo assim, há algo de estranho nesse sentimento de opressão que vem se estampando no povo, ainda mais quando as leis da democracia vêm sendo corretamente seguidas - ainda que nem sempre para bom uso, como vimos diariamente no horário eleitoral do primeiro turno - e, torno a dizer, quando ninguém está nos obrigando a nada. O povo precisa é de pensar antes de agir. Atacar os candidatos não ajuda a esclarecer suas propostas, nem a mudá-las.

sexta-feira

Exentricismos forçados

Não sei se você, caro leitor, já percebeu, mas está em alta ser cínico. Como se os modelos comuns já tivessem esgotado em matéria de chamar antenção, hoje idealisa-se tudo o que foi um dia posto como errado. E aí entra o anti-social, o sádico, o suicida, e todo o mais que têm chances de impressionar seus pais.
Eu só consigo dar risada dessa necessidade de notabilidade - mas é obvio, e vocês sabem, que se trata de uma risada artificial para aludir alguma altivez. Enfim, ouço por todo lado que a humanindade perdeu os princípios. Aos que reproduzem a dita frase (ainda que só por impulso pré condicionado) eu acrescento: Acalmem-se, meus queridos, é só a moda da vez.
Ainda assim, me preocupa essa tendência poser. Quer dizer, como se o mundo já não fosse ridículo o suficiente com filhinhos de papai fingindo princípios comunistas em cima de um skate, agora temos que aturar cabeças ocas verbalizando revoltas infundadas e ocupando o tempo do jornal matutino com acidentes de trânsito causados por alcoolismo?
Esse pessoal me tira do sério. Essa vontade de chamar atenção, essa mania de manchar a reputação dos jovens com suas carências inconsequentes... E eu não entendo. Quem vai ficar com um fígado danificado é você. Quem vai ser um adulto inseguro por não ter formado um caráter saudável é você. Quem vai ter um emprego mediocre uma vez que não teve uma formação decente também é você. Quer dizer, seu papai vai passar um pouco de raiva sim, mas... É a sua vida, imbecil!

quinta-feira

Sobre lendas e espadas afiadas

Estou enfastiada com épicos. Seus feitos pródigos e sua moral incontestável, toda sua perfeição, tendem a me desestimular mais e mais. Deveria sentir-me inspirada com aventuras inimagináveis que eu jamais vivenciarei? Frustração, isso sim é o que me despertam todos esses disparates em edição de bolso.
O pior é que as prateleiras estão abarrotadas dos mesmos. E parece que a ideia de refúgio funciona em grande parte do público consumidor. Mesmo o cinema vem sendo empesteado. O triste é que eu adoro épicos.
Mas o que realmente me chateia é estar percebendo, só agora, como a neomitologia neles presente - pois em se tratando de uma mitologia intensamente modificada, de uma forma, aliás, que eu não acredito permissível, não cabe mais nos limiares da palavra "mitologia" -, enfim, como a neomitologia neles presente é, simples assim, a representação simbólica dos ideais humanos.
No último dos épicos (impresso em escala industrial com fins meramente pecuniários) que li, os elfos eram ateus. ATEUS! Quer dizer, além de lindos, nobres, fortes, talentosos e todo o mais que a humanidade almeja, eles eram independentes, livres de qualquer força superior. Não contentes, eram também imortais e eternamente jovens.
Se a mitologia tradicional era destinada a educar e moldar o caráter humano com alegorias que melhor traduzissem uma sabedoria popular necessária à todas as mentes pelo bom funcionamento de uma sociedade, hoje, o que restou dela só existe para promover os dogmas do capitalismo - diluídos e mascarados, de forma não só aceitável como admirável, digna de ser posta como ideal.
O digo porque não posso entender por um prisma menos pragmático o feitiche por escravizar a humanidade e dominar o mundo (seja superior, seja melhor, subjugue tudo pelo próprio sucesso) dos nossos últimos vilões, ou ainda a lealdade inexorável em prol da mentalidade dominante da determinada época (defendam o modelo, se corrompam para credibilizar o situacional way of life) dos nossos últimos heróis.
Isso, se acompanhado pela arte dos anões, a imperturbabilidade das dríades, a beleza das fadas, a altivez das sereias, a graça dos dragões e até com a força dos minotauros, torna impossível de ser ignorada a essência atual dos épicos: inspirar, frustrar, gerar novas necessidades - o infalível fazer vender.
Certo, revoltante. Mas, se me dão licença, preciso preencher o cadastro da loja virtual ao lado para efetuar o pedido da minha próxima frustração brochura ilustrada 344 páginas em edição especial - promoção relâmpago!

sábado

- Você é feliz?
- Não.
- Por quê?
- Porque eu não sou quem eu gostaria de ser.
- Alguém é?
- Não sei.
- Ninguém é.
- Por quê?
- Porque querer ser subentende não ser.
- Então a felicidade não existe.
- Não.
- Então por que a pergunta?
- Para provar minha teoria.
- Para quem?
- Para mim.
- Por quê?
- Para me consolar.
- Quanto a quê?
- Minha felicidade.
- Entristece-lhe?
- O tempo todo.
- Como?
- Fazendo-me egoísta.
- ...
- Egoísta. Insensível a dores alheias.
- Então todos os felizes são egoístas?
- Sim, exceto os infelizes.
- Mas os infelizes não são felizes!
- Por isso eu digo que o são.
- Você é louco.
- Provavelmente...
- Felicidade não existe.
- Não.
- Então ninguém é egoísta.
- Eu sou.
- E por isso é feliz?
- Você entendeu a teoria.